27 de setembro de 2015

IPLA: O Mundo - Visto pela Psicanálise. Nº 130. ATÉ A ÚLTIMA CORRIDA, por Dorothee Rüdiger


Ao lado dos jovens, com seus corpos bem delineados e com as taxas de colesterol e glicose em dia, divertem-se homens e mulheres de meia idade e de idade bem avançada... Trata-se de um corpo outro que o físico, de um corpo erótico

Sua praia é um convite. Estende-se por quilômetros, de ponta a ponta, de canal a canal. Com sua areia dura, batida pelas ondas, atrai quem gosta de se mover num cenário criado pelas mãos da natureza e da civilização. Esta, a civilização, chegou há mais de 500 anos e trouxe consigo um hospital, um porto e uma cidade que estende os braços para o mar e para o mundo. Chegaram desde então navios carregados de mercadorias e gente. Vieram trazidos à força ou pela esperança de encontrar, no Brasil, uma vida melhor. 

Quem caminha hoje pela orla marítima da cidade de Santos percebe que a cidade, com sua praia e seus jardins bem cuidados, atrai aposentados e esportistas. Ou seria melhor dizer que atrai aposentados esportistas? Sim, pois por toda parte e a qualquer hora do dia percebe-se pessoas até bem idosas praticando esportes. 

Quem mora perto da praia de Santos é logo cedo acordado pelo “ploc, ploc” dos jogadores de tamboréu. Levantaram cedo para lotear meticulosamente, com suas fitas métricas, seu pedaço de praia e se dedicar com paixão a um jogo que lembra um pouco o tênis. Comandado pelos homens de cabelos grisalhos, chama atenção nesse jogo a paixão com a qual os jogadores tocam a bolinha com seus pandeiros para lá e para cá da rede. Há regras, há disputas e há, principalmente, a alegria e a satisfação de se ter um corpo que se diverte no jogo com os parceiros e adversários. 

Já quando cai a noite, a praia é dos que se esbaldam na areia jogando futebol de praia. Independentemente da idade, os jogadores colocam suas bicicletas nos cantos do campo improvisado e chutam a bola para o gol marcado por chinelos, tênis ou outros objetos que estão à mão. É o futebol brasileiro, que o mundo outrora conhecia, que aparece cheio de alegria e de manha, nascido à beira do mar, praticado por moços de todas as idades, lá, onde os navios chegam e se despedem incessantemente.

Outros moços e moças de idades mais diversas preferem andar, caminhar ou correr de canal em canal. Exploram um cenário que mescla praia e cidade, prédios, árvores, flores e areia. Há pontos de encontro, nos quais as pessoas se cumprimentam, trocam palavras e continuam a correr juntos ou sozinhos. Os canais, o monumento criado pela artista Tomie Otake, a Ilha das Bruxas, o “predinho verde” que já não é mais verde, mas marca a divisa entre Santos e São Vicente, são as marcas na paisagem entre os que precisam para ser feliz nada mais do que tempo bom. 

Nesse cenário, o que menos importa aos esportistas da praia é ter um corpo jovem. Ao lado dos jovens, com seus corpos bem delineados e com as taxas de colesterol e glicose em dia, divertem-se homens e mulheres de meia idade e de idade bem avançada. Isso porque sentir-se bem na pele não é uma questão de taxa de glicose ou de colesterol. Antes de exercitar músculos, ossos e nervos, os esportistas da praia apreciam o belo cenário e a felicidade do encontro, seja entre amigos, seja entre anônimos. Tomam posse de um corpo outro que o físico, de um corpo erótico, em todos os sentidos, que sente uma enorme satisfação de estar vivo aos 20, aos 50 ou aos 80 anos de idade até... correr entre os esportistas da praia a notícia que alguém dentre os companheiros fez sua última corrida. 

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