23 de junho de 2009

[EBP-Veredas] PARA O ENAPAOL - ERIC LAURENT



Para o Encontro Americano


Eric Laurent



As últimas novidades: cerca de 300 pessoas já apresentaram trabalhos à Comissão de seleção do Encuentro. Esta abundância testemunha o interesse suscitado pela condução em Buenos Aires deste acontecimento.


O programa está centrado sobre a modalidade de encontros e da interface entre o discurso psicanalítico e o discurso do mestre, tangenciando as modalidades institucionais de acolhimento dos sintomas. O termo instituição está tomado em sentido amplo. Inclui, é claro, o consultório do psicanalista, que é uma instituição, regida pelo direito comum. Os sintomas também são definidos, em sentido amplo, como tudo aquilo que desarruma, que não anda, que mostra o esgotamento das categorias com as quais o mestre tenta pensar e classificar esses mesmos sintomas. No último estado da clínica, o DSM, as categorias são, aliás, frágeis e efêmeras. Elas são pensadas como artefatos de uma língua epidemiológica.


O Encuentro tem como objetivo precisar os efeitos subjetivos da interação entre as práticas institucionais, de um lado, e do discurso da psicanálise, de outro. Isto nos permite recentrar o discurso psicanalítico sobre si mesmo, sem deixar de seguir o diálogo com os modos de funcionamento dos outros discursos.


As Escolas devem se responsabilizar pela psicanálise, em seu conjunto, e reforçar os laços dos seus membros com o discurso que os anima. Eles devem vivificar o desejo de demonstrar que a formação psicanalítica não consiste, fundamentalmente, em autorizar a terapia dos outros. Consiste em por à prova seu desejo na experiência do corpo a corpo singular da análise própria, e da supervisão. Entretanto, isso não implica nenhuma indiferença, no que tange aos efeitos que o discurso produz nas instituições onde domina a dimensão terapêutica. A Escola Una, a Escola do Passe deve também estar atenta à exploração dos significantes próprios ao seu discurso, sobre os usos que dele são feitos, sobre os procedimentos que os autorizam.


No discurso do mestre, a avaliação dos arranjos que implica um laço social ampliado, fragmentado, até mesmo atomizado, a questão da identidade torna-se urgente. Uma política da identidade, da pertinência a núcleos identitários, ganhou forma. A transformação do laço político em dispositivo de escuta do sofrimento dos sujeitos se duplica numa projeção autoritária nas categorias que autorizam a gestão de “populações”. A destruição, pela ciência, das antigas categorias clínicas ou sociais, oriundas da clínica do olhar e do diálogo clínico singular, conduz a um paradigma da abertura e da dispersão. A referência à ciência como única garantia do discurso clínico se reproduz, perfeitamente, do esquecimento daquilo que lhe escapa. O resultado disto é o abandono dos sujeitos às suas precariedades e seus sofrimentos.


Ao mesmo tempo em que se propõe fazer com que os sujeitos entrem em novas identificações coletivas, a velocidade desses remanejamentos produz zonas de não-direito onde o sujeito se perde. Os impasses e as impotências da clínica medicamentosa só fazem inflar as prescrições abusivas e os usos desviados dos medicamentos. As contradições dos protocolos administrativos deixam os praticantes sem recursos. A experiência clínica está, além do mais, fragmentada nas instituições em que ela não está mais envolvida pelas linguagens clínicas sistemáticas. O DSM se quer ateórico, pura enumeração de síndromes. A partir da alíngua do sintoma, as elucubrações das linguagens clínicas são ordenadas apenas pela série estatística. Somente a medida da freqüência define a legitimidade de um fenômeno. O DSM, por sua atomização e sua submissão absoluta à lei das percentagens, revelou que a clínica é feita de pedaços de real que as linguagens clínicas velavam sob a coerência do sistema.


Como, então, podem se encontrar no Encuentro o discurso psicanalítico e os dialetos das instituições? O Encuentro não é a enciclopédia borgesiana de tudo isso que reverbera nas instituições. Ele não visa ser exaustivo, embora acolha muito amplamente quem vem testemunhar sua experiência de praticante e pensa que a psicanálise pode orientá-lo. O Encuentro acolhe o que, do sintoma, faz falar nos interstícios do laço social, ele se faz tolo dos sintomas, na medida em que eles excedem os dispositivos construídos para reduzi-lo ao silêncio.


É por isso que o programa do Encuentro explora os espaços de um encontro possível dos discursos sob quatro rubricas principais:


1- O irredutível do sintoma ao laço social


2- Como fazer escutar o sintoma na instituição?


3- Os efeitos de angústia diante da pretensão universalizante dos protocolos


4- As saídas singulares do mal-estar perante identificações segregativas.


Com efeito, os praticantes que exercem em instituições encontram-se atravessados por momentos de angústia, de desorganização, de certezas antecipadas, de seguranças que fracassam, de boas intenções que se revelam não ser outra coisa que uma via de acesso aos círculos do inferno. Todos esses efeitos estão em busca de lugares onde se possa ouvir que eles testemunham para a o sintoma, mais além de todos os personagens que estão em cena.


O Campo freudiano, a AMP, as Escolas tomam a iniciativa de articular os lugares de encontros e de interfaces, de verdadeiras placas tectônicas que sustentam os choques dos discursos, cada uma segundo os dispositivos e suas prioridades particulares. O Campo freudiano procedeu de tal maneira que o Encuentro tomará a forma de um intercartel ampliado, de acordo com a multiplicidade que ele trata. A Comissão científica pôde, efetivamente, instalar os cartéis ampliados que animaram a elaboração dos textos submetidos. Esta conversação entre cartéis será pontuada pelas reuniões plenárias em torno dos temas fixados.


Tentaremos afinar novos instrumentos para explorar a fecundidade dos impasses do Discurso do mestre diante do intratável do sintoma. Examinaremos como as identificações conformistas operantes nas instituições podem deixar o lugar ao “um por um”, tanto do lado do caso, quanto do lado do praticante.


Visamos, efetivamente, produzir um amor pela singularidade da alíngua inconsciente num momento da civilização em que a singularidade só se concebe no nível imaginário do ego: a época do individualismo de massa. O Encuentro é um dispositivo que permite testemunhar a capacidade da psicanálise em produzir efeitos de discurso, fazendo ouvir a ressonância dos efeitos de resistência do sintoma ao tratamento institucional que lhe é dado.


O Encuentro dialoga, à sua maneira, com os objetivos de Pipol IV em Barcelona, que explora a clínica e a pragmática da desinserção em psicanálise. Toma forma do fato de que o sintoma, no discurso do mestre, é inicialmente apreendido como o que separa o sujeito, desinsere-o do laço social. Esta abordagem do sintoma, em termos de déficit, promove o desconhecimento da positividade do sintoma. Este testemunha a desinserção radical do sujeito na língua comum e do laço social que ela autoriza. É por se saber desinserido, que o sujeito quer fazer como todo mundo, ele quer se inserir.


Após haver definido os fundamentos psicanalíticos e as variedades clínicas da desinserção, Pipol IV tirará as lições da prática nos espaços institucionais onde algo do sintoma pode se dizer e ser ouvido, os “lugares alfa”. Após fazer ouvir a voz dos artistas que fizeram da desinserção, o fundamento do seu laço social (Joyce, Beckett, Gould), interrogará se o modo do qual se fala do sintoma nesse espaço privilegiado, que é a reunião clínica, permite, efetivamente, fazer escutar sua particularidade.


De Pipol IV ao Encuentro Americano, de modo tão diverso, um mesmo eixo de questionamento se mantém. Ele persegue a elucidação dos fantasmas clínicos. Visa estabelecer a cartografia do real em jogo nas práticas institucionais e reorientá-las a partir daí. É a aposta desses Encontros.


Eric Laurent


17 de junho de 2009.


Tradução: Elizabete Siqueira


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